segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

E é isto.

UMA ANTI-SOCIAL A SÉRIO COMO CONSTANÇA ABOMINA O MUNDO RURAL
"O único sítio onde um anti-social pode sobreviver é uma cidade grande. Tenho um amigo que sonha com um apartamento no 89.º andar de uma metrópole asiática, onde lhe seja totalmente impossível conhecer um vizinho e absolutamente dispensável dizer "bom dia". É um desejo radical, porque nem todos os anti-sociais precisam de ir tão longe, à hiperpopulosa Ásia, e alguns deles têm vertigens. Mas quase todos os anti-sociais partilham ímpetos de isolamento e silêncio, totalmente incompreensíveis para o resto da maralha genericamente comunitária.
Um anti-social é visto como um bicho esquisito, que falha o princípio gregário, conhecido como um dos primeiros mandamentos da humanidade. O anti-social, por exemplo, gosta de almoçar sozinho: aproveitar o pouco tempo do intervalo laboral todo para ele. Esta é uma é das manias mais incompreendidas do anti-social, mas que lhe causa grande prazer (e distensão). Conheci um anti-social (e era-o num grau bastante moderado, diga-se) que inventava uma lista de actividades de todo o género à hora do almoço, para fugir às hordas gregárias que com ele trabalhavam, e se ofenderiam se ele dissesse a verdade: queria, precisava e gostava de poder almoçar sozinho. Adorava descansar e conversar consigo mesmo durante o almoço. E, depois de mentir aos colegas, esse anti-social pegava no automóvel e dava à sola para longe do emprego e aterrava muitas vezes ali num restaurantezinho fantástico e barato em Campo de Ourique, onde já o conheciam, mas deixavam-no estar sozinho. Sozinho e contente.
Constança, na maioria dos dias, é anti-social. É por isso que mora em Lisboa, embora, mesmo para um anti-social, Lisboa tenha riscos. É demasiadamente pequena, se andarmos sempre pelos mesmos sítios.
Embora possa achar graça a deslocações esporádicas, um anti-social a sério abomina o mundo rural. Toda a propaganda sobre o isolamento campestre tem muito de artificial. Podem não haver serviços, mas ainda existem pessoas e, mesmo nos lugares onde só existem 20, as obrigações sociais e os estímulos comunitários calham ser terríveis. Quanto menor for a comunidade, mais os que a compõem "levam a mal", ofendem-se com as legítimas aspirações do anti-social e desrespeitam a sua tão incompreendida necessidade de silêncio. Em geral as pessoas querem conversa e o anti-social não a consegue fazer, ou pelo menos não a consegue fazer ao ritmo constante que a cultura gregária lhe exige.
Em Lisboa, por exemplo, Constança muda de café com frequência. A solidão magnífica perde-se à 20.ª bica quando o funcionário julga que nos conhece os gostos e interrompe o caudal interior com barbaridades gregárias. Constança parece horrível, mas não é."
Ana Sá Lopes in DN

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